‘Judge shopping’, a estratégia judicial que desafia a noção de justiça nos EUA

13 abr 2023
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Nos Estados Unidos, os advogados costumam apresentar suas ações em jurisdições que consideram convenientes, mas essa prática agora está sob um renovado escrutínio, após o caso com repercussões nacionais, no qual um juiz suspendeu o uso da pílula abortiva.

Os demandantes nos Estados Unidos sempre tentaram escolher um tribunal que lhes dê uma vantagem quando vão ao sistema judicial, onde um caso pode parar na mesa de qualquer juiz. Apelidada de "judge shopping", essa estratégia chegou a um ponto em que é possível ir a um tribunal que tem um único juiz, cujas posições são bem conhecidas, o que está despertando preocupações.

Quando o ator Johnny Depp processou sua ex-esposa Amber Heard depois que ela se assumiu vítima de violência doméstica em uma publicação do jornal The Washington Post, Depp não levou o caso à Justiça da Califórnia, onde reside.

Em vez disso, a estrela de Hollywood entrou com a ação na Virgínia, onde a lei de difamação é mais favorável para esses casos. Essa decisão estratégica foi possível pelo simples fato de que os servidores e a imprensa do jornal estarem localizados nesse estado.

"O demandante escolherá o local mais favorável, com base em vários fatores, incluindo a relevância do processo, a conveniência e o quão receptivos os juízes são", disse à AFP Bruce Green, da Fordham Law School.

Embora os demandantes possam escolher o tribunal, não deveriam poder escolher um juiz, especialmente no nível federal. Os juízes federais são generalistas, e os casos que chegam aos tribunais devem ser distribuídos aleatoriamente. Em alguns lugares, porém, como o estado do Texas, a geografia permitiu possibilidades interessantes.

"Há muitos lugares remotos no Texas, onde há apenas um juiz federal para atender toda a demanda", explica Joshua Blackman, professor de direito constitucional na Faculdade de Direito do Sul do Texas.

"De modo que existem essas seções com um único juiz", completou

- 'Juiz ativista' -

É o caso de Amarillo, cidade na fronteira com o Texas onde o único juiz federal, Matthew Kacsmaryk, foi indicado pelo então presidente Donald Trump. Kacsmaryk levou com ele um histórico e formação ultraconservadores de seu trabalho como advogado de organizações cristãs.

Os opositores do aborto fundaram, estrategicamente, uma nova associação em Amarillo, a Aliança para uma Medicina Hipocrática, e, três meses depois, entraram com uma ação que desafiava a legalidade da pílula abortiva mifepristona, confiantes em que chegariam ao gabinete de Kacsmaryk.

Na sexta-feira (7), o juiz se pronunciou a favor da associação, como se esperava, uma decisão que pode suspender a autorização para o uso desse medicamento a partir de 15 de abril.

Sua decisão provocou fortes reações do campo político mais progressista.

O líder da maioria democrata no Senado, Chuck Schumer, descreveu a decisão como procedente de "um juiz extremista que deseja, de maneira veemente, tirar os direitos das mulheres".

Na quarta-feira (12), um painel de três juízes do Tribunal de Apelações do Quinto Circuito de Nova Orleans, no estado de Louisiana, decidiu por 2 a 1 a favor de manter o mifepristone disponível sob normas mais rígidas.

A prática de "judge shopping" é comum há algum tempo, mas despertou preocupações, recentemente, por tocar em questões de interesse nacional com drásticas consequências, diz Green.

A decisão de Kacsmaryk não é a primeira na história recente de sentenças radicais no país. Outros juízes emitiram decisões com impacto nacional para bloquear as políticas adotadas por Trump, Barack Obama e Joe Biden.

- 'Escolhidos a dedo' -

Para Blackman, dois fatores impulsionaram essa tendência.

Em 2014, ao tentar lidar com os obstáculos republicanos, o Partido Democrata que controlava o Senado americano mudou as regras para confirmar as indicações judiciais selecionadas pelo presidente. Determinou, assim, que um candidato poderia ser aprovado por maioria simples, em vez de precisar de três quintos dos votos, conforme solicitado anteriormente.

Como os presidentes não precisavam mais de votos de apoio do lado oposto, ficaram livres para "nomear juízes que estavam longe do centro... juízes com base ideológica", explica Blackman.

Ao mesmo tempo, os procuradores-gerais estaduais, que são autoridades eleitas, tornaram-se mais agressivos contra as administrações dos partidos de oposição.

O procurador-geral do Texas, Ken Paxton, que recebeu 26 ações judiciais contra o governo Biden em apenas dois anos, incluindo o de Amarillo, é o resumo do excesso de "judge shopping", diz o professor Vladeck.

A prática é um velho problema, mas Paxton "transformou essa manobra em uma arte", escreveu Vladeck em uma coluna do jornal The New York Times.

Se nada for feito a respeito, diz ele, "os juízes escolhidos a dedo, nos quais ninguém votou, serão cada vez mais capazes de ditar políticas federais em nível nacional".


FONTE: Estado de Minas


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