Revolta de mercenário deixa ‘rachaduras’ na Rússia, diz secretário dos EUA

26 jun 2023
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O paradeiro de Yevgeny Prigozhin, líder dos mercenários do Grupo Wagner e responsável pelo motim que assustou a Rússia, seguia desconhecido até o fim da noite de domingo (25/6). Tão incerto quanto o cumprimento do acordo mediado por Belarus e o futuro do presidente russo, Vladimir Putin.

Os Estados Unidos avaliaram que o levante e a “Marcha pela Justiça” – o avanço dos combatentes de Prigozhin rumo a Moscou – expuseram “rachaduras” na “fachada russa”. “Foi um desafio direto à autoridade de Putin. Isso levanta profundas questões, mostra rachaduras reais. Não podemos especular ou saber exatamente o para onde elas irão”, disse à rede de tevê CBS o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken.

Em entrevista à CNN, ele também admitiu que “o que temos visto é extraordinário”. “Você vê rachaduras surgindo que não existiam antes. Primeiro, ao ter Prigozhin se levantando e questionando as próprias premissas da agressão russa contra a Ucrânia; é um desafio direto ao próprio Putin”, reiterou.

A Comissão Europeia considerou “uma notícia muito preocupante para o Kremlin” o fato de ter perdido controle da situação e admitiu esperar consequências “a médio e longo prazos”.

Pelo pacto firmado no sábado, Prigozhin devolveria seus homens aos acampamentos do Grupo Wagner e abandonaria a Rússia, exilando-se em Belarus. As autoridades da região de Voronezh, na fronteira com a Ucrânia, confirmaram que os paramilitares partiram. Na madrugada de sábado (24/6), o próprio Prigozhin foi filmado saindo de Rostov-On-Don, a quase 1 mil quilômetros de Moscou.

Anistia para os mercenários

No entanto, seus mercenários conseguiram avançar até um ponto a 200km da capital, antes do anúncio do acordo. O pacto também retira todas as acusações criminais de incitação à revolta armada e anistia aos paramilitares. No domingo, tanto Putin quanto o fundador do Grupo Wagner permaneceram em silêncio.

No início deste mês, os serviços de inteligência dos Estados Unidos haviam detectado sinais do motim planejado por Priozhin. Blinken prevê “divisões internas entre Putin e outros russos para determinar o quanto ele mantém de controle interno e sobre a guerra na Ucrânia.”

Especialistas consultados pela reportagem também veem o poder de Putin questionado.

Professor de ciência política da Syracuse University (no estado de Nova York) e especialista em segurança e elites russas, Brian D. Taylor analisa que a reputação de Putin como um líder forte, e firmemente no controle da política interna, ficará danificada, tanto doméstica quanto externamente.

Ele cita o fato de um exército privado de mercenários ter sido capaz de assumir o controle de um quartel-general dos militares  russos em uma cidade de mais de 1 milhão de habitantes (Rostov-On-Don) e, depois, se dirigir quase o dia todo rumo a Moscou e encontrar “pouquíssima resistência”. “Foi um fracasso do Estado russo, dos serviços de segurança, mas, acima de tudo, de seu presidente”, assegurou.

O norte-americano acrescentou que o Exército russo parece não ter recebido ordens claras sobre como reagir. “Agora, sabemos que oficiais negociavam com Prigozhin nos bastidores, e o fizeram para deter o motim. O Estado pareceu fraco, mas teria sido ainda pior para Putin se uma batalha sangrenta ocorresse nos arredores de Moscou”, ponderou Taylor.

Um sinal paras as elites

“Se levarmos em conta que o poder de Putin depende muito mais das elites e não do prestígio entre a população – e ele certamente não é um homem do povo –, o dano à sua estatura é significativo”, avaliou o analista político sérvio Aleksandar Djokic, ex-professor da Universidade Russa da Amizade dos Povos, em Moscou.

Ele explicou que o poder de Putin reside na sua capacidade de equilibrar várias partes das elites. “A traição pessoal de Prigozhin contra Putin, causada pelo conflito com a liderança militar, envia um claro sinal às elites de que Putin não consegue manter mais esse balanço. As elites, agora, estão motivadas a criar novas alianças entre si, para protegerem seu futuro depois de Putin.”

Apesar de não concordar que o establishment russo apresentaria fraturas neste momento, o russo Alexander Gabuev, diretor do Centro Carnegie Rússia-Eurásia em Berlim, explicou que Putin usou Prigozhin como uma ferramenta viável para o Estado, injetando recursos no Grupo Wagner. “Ele criou um monstro que acabou por se rebelar.

Prigozhin tornou-se indispensável porque o Exército russo era ineficiente na Ucrânia. Há muitos elementos embaraçosos aqui, como o fato de o Wagner ter se apossado do quartel-general em Rostov-On-Don e conseguido derrubar helicópteros e caças militares”, comentou.

No entanto, ele não vê uma ameaça à sobrevivência de Putin, apesar de reconhecer que a crise desmistifica a alcunha de invencível do chefe do Kremlin. “Mas a comunidade internacional o verá como um fraco, o que dará influência a parceiros de Moscou, como os presidentes Xi Jinping (China) e Aleksandr Lukashenko (Belarus).” O fato é que, em 23 anos no comando da Rússia, Putin enfrenta seu mais difícil momento.

Putin fica mais enfraquecido após o motim do Grupo Wagner?

NÃO

Marina Miron, pesquisadora de pós-doutorado do Departamento de Estudos de Defesa do King´s College London
"Na minha visão, os eventos deste fim de semana apenas fortaleceram a reputação de Putin dentro da Rússia. Prigozhin foi retratado como um traidor, e os integrantes das Forças Armadas claramente se posicionaram ao lado de Putin. Além disso, o presidente conseguiu resolver a situação muito rapidamente. Tudo isso envia uma mensagem para aqueles que podem querer  desafiar Putin no futuro. Muitas fontes ocidentais apontam o motim como sinal de fraqueza interna do regime de Putin. No entanto, aos olhos de aliados de Moscou, como a Rússia, a reputação dele nada sofreu."

SIM

Brian D. Taylor, professor de ciência política da Syracuse University (no estado de Nova York) e especialista em segurança e elites russas
"Putin conseguiu permanecer como governante da Rússia por tanto tempo, ao criar um sistema no qual nem as elites nem as massas viam qualquer alternativa possível de poder. Agora, ele parece fraco, o que vai encorajar as pessoas a pensarem sobre o que poderá acontecer se ele cair do poder e sobre o que virá depois. É óbvio que este não representa o fim de Putin. No entanto, ele jamais poderá recuperar totalmente a autoridade que perdeu durante esta crise. O chefe do Kremlin continuará a caçar a oposição. Mas o que aprendemos é que o Estado, o qual  muitos pensavam ser tão poderoso, pode ficar paralisado rapidamente."

As 36 horas que abalaram o Kremlin

Sexta (23/6), 11h (5h em Brasília)
Yevgeny Prigozhin, líder do Grupo Wagner, formado por mercenários, divulga mensagem de áudio por meio do Telegram em que acusa a Rússia de bombardear suas posições na Ucrânia.
Sábado (24/6), 0h (18h de sexta em Brasília)
O Serviço Federal de Segurança (FSB) abre uma investigação contra Prigozhin por incitação à rebelião armada. Também pede aos mercenários do Grupo Wagner que não obedeçam às ordens e deem voz de prisão ao líder. Pelas redes sociais, começam a circular imagens de tanques de guerra circulando pelas ruas de Moscou e de Rostov-On-Don.
Sábado, 7h30 (1h30 em Brasília)
Os mercenários do Grupo Wagner entram em Rostov-On-Don, cidade de 1,2 milhão de habitantes, sem encontrar resistência. Prigozhin surge em um vídeo diante do quartel-general do Exército russo, em Rostov.
Sábado pela manhã
As força de Prigozhin avançam em direção a Moscou, tomam as cidades de Voronezh e Pavlovsk, e derrubam pelo menos dois helicópteros do Exército russo pelo caminho. 
Sábado, 10h (4h em Brasília)
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, fala à nação, denuncia traição, afirma que Rússia foi "apunhalada pelas costas" e promete punição severa aos integrantes do Grupo Wagner. 
Sábado, 20h30 (14h30 em Brasília)
O governo de Belarus anuncia ter firmado um acordo com Prigozhin, que se compromete a suspender o avanço até Moscou e a ordenar o retorno de seus homens para os acampamentos do grupo. O Kremlin confirma o pacto e avisa que arquivará as acusações criminais contra Prigozhin, que se compromete a deixar a Rússia, rumo a Belarus.

FONTE: Estado de Minas


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