‘A música é o que me mantém vivo!’, celebra Jota Moraes, produtor de hits que atravessam gerações e marcam a miscigenação cultural brasileira

07 out 2023
Fique por dentro de todas as notícias pelo nosso grupo do WhatsApp!

Em entrevista exclusiva ao g1, instrumentista avalia que novos nomes trazem frescor para o gênero do pagode, que também vem sendo contemplado pela presença feminina. Jota Moraes atua como arranjador, instrumentista, produtor e diretor musical

Izabelly Fernandes/g1

Quantos elementos uma música pode carregar? Harmonia, ritmo e melodia são os principais. Mas, junto a isso, também há os subjetivos, que revelam uma carga social, emocional, cultural e histórica, e isso é o que diferencia os gêneros. Samba, funk, sertanejo, pagode, axé, jazz, pop, bossa nova… É difícil imaginar que as músicas ouvidas atualmente são resultado da mistura de todos esses estilos.

A ouvidos leigos, isso parece estar longe de representar algum sentido, mas toda essa combinação tem nome e trata-se de um fenômeno de “miscigenação musical”. Quem diz isso é Jota Moraes, importante arranjador e instrumentista no meio musical brasileiro, e conhecido por ser o criador de centenas de sucessos do gênero pagode.

Ao longo de sua carreira musical, João do Amor Divino Moraes Pontes, ou simplesmente Jotinha, como é conhecido carinhosamente entre os amigos, teve papel fundamental na construção do que é apreciado musicalmente hoje em dia.

Neste 7 de outubro em que se comemora o Dia do Compositor Brasileiro, Jotinha fala com exclusividade ao g1 sobre o atual cenário da MPB.

Jota Moraes atua como arranjador, instrumentista, produtor e diretor musical

Acervo pessoal

Conhecido por trabalhar em sucessos interpretados por grandes nomes da música brasileira, como Caetano Veloso, Elis Regina, Erasmo Carlos e Guilherme Arantes, entre inúmeros artistas, Jota avalia a mistura de gêneros como algo muito saudável.

“Tudo isso é muito válido. É como um rio com afluentes, que vai engrossando à medida em que se encontram. Ritmos diferentes acabam formando uma nova corrente, um novo movimento musical. Com a bossa nova foi assim, e isso ganhou uma repercussão mundial. O que ouvimos hoje é fruto disso”, comentou.

A contribuição dele para o que hoje é conhecido como pagode também é prova dessa miscigenação. O arranjador explica que o gênero é fruto da influência de diversos ritmos, principalmente, da Música Popular Brasileira.

“Eu sempre toquei vários tipos de músicas, do jazz à bossa nova, do tango ao bolero, e, com isso, acabei levando muita coisa do que eu aprendi nesse percurso para o pagode, dando nova cara para esse gênero. Praticamente, eu criei o estilo a partir dessa mistura e deu certo”, revelou ao g1.

Jotinha é responsável por tornar realidade o sonho de muitos artistas brasileiros

Acervo pessoal

Legado na música

Jota Moraes foi arranjador, instrumentista, produtor, diretor musical e, por assim dizer, amigo de Gonzaguinha (1945-1991) durante 12 anos. Para o menino que nasceu no interior de São Paulo, isso era um sonho que havia se tornado realidade.

Mas, além de se sentir realizado na jornada como músico com parcerias importantes, ele também foi responsável por tornar realidade o sonho de muitos artistas no início de carreira.

Com seus arranjos, muitos nomes tiveram sucessos do samba e do pagode emplacados no mercado musical dos anos 1990, como Alexandre Pires e Só Pra Contrariar, Exaltasamba, Martinho da Vila e Fundo de Quintal, além do prudentino Thiaguinho.

Thiaguinho é um dos astros que contam com arranjos de Jota Moraes

Acervo pessoal

Entre os sucessos coproduzidos e arranjados por ele, destacam-se “Lindo Lago do Amor”, de Gonzaguinha, “Melhor Eu Ir”, de Péricles, “Moranguinho do Nordeste”, do Grupo Karametade, “Cheiro de Amor”, de Maria Bethânia, e “O Amor e o Poder”, de Rosana.

Ao g1, Jota Moraes relembra como o pagode foi um marco importante na música brasileira, tendo em vista o sucesso estrondoso e o efeito que o ritmo surtiu nas pessoas.

“Foi algo inacreditável. Curiosamente, o pagode teve a proeza de, inclusive, abafar a música norte-americana, que dominava o mercado do mundo inteiro. Eu acho que os americanos devem ter ficado preocupados com essa novidade”, brincou.

Na época, o músico recebeu uma revista com as posições das 100 músicas mais tocadas nas rádios e, dessas, 10 tinham arranjos feitos por ele. Com a rotina de trabalho frenética, ele produzia cerca de 15 arranjos diariamente. Hoje, com a vida um pouco mais desacelerada, ainda consegue fazer de três a quatro desses por dia.

Moraes acredita que, mesmo com as mudanças provocadas pela miscigenação, o pagode se tornou um campo musical promissor

Acervo pessoal

Mesmo após quase 30 anos, esses hits ainda não saem da memória e fazem sucesso com regravações que ganham uma nova roupagem.

“Eu fico muito feliz que essas músicas que foram destaque nos anos 1990 e 2000 ainda recebam esse destaque. Às vezes, eu mesmo refaço um trabalho ou outro a pedido de amigos. Dou uma modificada, acrescento outros instrumentos, mudo um pouco a introdução, comparo com o original. É um trabalho muito bacana”, comentou o arranjador.

Hoje, Moraes acredita que, mesmo com as mudanças provocadas pelo processo de miscigenação, o gênero se tornou um campo muito promissor, com artistas de destaque e grande qualidade musical.

“Ao longo da minha vida, já fiz muitos arranjos, produzi muitos álbuns. Hoje, eu vejo que o gênero está se renovando, mas tem muita gente de qualidade vindo aí. O cantor Dilsinho mesmo, para mim, é uma das maiores revelações do segmento, além de outros grupos, como Menos É Mais e Di Propósito. O Ferrugem, então, nem se fala, pois ele já tem ideias muito boas na cabeça, e, com esses novos arranjadores, o pagode vem ganhando uma sonoridade nova muito bacana. Fico muito feliz quando vejo esse pessoal com tamanha qualidade cultivando todo esse legado”, analisou o instrumentista.

Jota Moraes conheceu o piano com o irmão Aluísio

Izabelly Fernandes/g1

Renovação feminina

A presença das mulheres no pagode, sejam como intérpretes, vocalistas ou, até mesmo, como musicistas das bandas, de acordo com Moraes, revela uma das faces desse processo de renovação que o gênero vem apresentando.

“Quando ele surgiu, havia poucas cantoras que representavam as mulheres no estilo, como Adriana Ribeiro, Eliana de Lima, Alcione. Elas tiveram um papel essencial para que muitas outras conseguissem conquistar seu espaço atualmente”, comenta.

A cantora Maria Rita é uma das artistas que contam com arranjos de Jota Moraes

Acervo pessoal

A cantora Ludmila, por exemplo, que hoje é reconhecida internacionalmente, é considerada por Jota como um dos grandes nomes femininos do pagode contemporâneo. “Ela foi uma grande aposta do mercado. Eu mesmo produzi um dos discos dela que chegou a ganhar o Grammy Latino. Assim como ela, hoje existem várias cantoras começando que prometem fazer grande sucesso”, enfatiza ao g1.

Para Jota, essa renovação foi sentida não só em cima dos palcos, mas, principalmente, na produção musical. Atualmente, ele grava e escreve arranjos para a geração nova do pagode, que inclui nomes como Ludmilla e Marvvila.

“Hoje, a gente vê muita mulher arranjadora, instrumentista, coisa que, antes, a gente não via. Era um mercado muito masculino, mas, hoje, podemos dizer que esse processo de renovação do mercado da música também é contemplado pelo fim do preconceito e pela presença de todas as pessoas em todos os espaços e funções. Isso é muito bom”, disse o produtor.

Jota Moraes chegou ao Oeste Paulista em meados de 1955

Acervo pessoal

Passado prudentino

Jogando bolinha de gude no quintal de casa, Jota Moraes viveu boa parte da infância em Presidente Prudente (SP). Nascido em Caçapava (SP), chegou ao Oeste Paulista em meados de 1955, quando o pai, militar, foi transferido para atuar em Presidente Prudente.

Aos 12 anos, a rotina de molecagens e brincadeiras logo foi dividindo espaço com as primeiras experiências na música. Observando o irmão mais velho, que costumava ensaiar com os amigos em casa, Jota viu despertar a vontade de aprender sobre aquilo e se entusiasmou com a ideia de estar no meio musical.

A bateria foi o primeiro instrumento que aprendeu a tocar, mas não demorou muito para ele também se interessar por outro tipo de percussão, como o vibrafone, e, também, pelas teclas do piano com o irmão Aluísio. Apresentou-se em pequenos shows pela cidade, no entanto, conta que sua primeira grande experiência na música foi em apresentações na Rádio Presidente Prudente AM, com os maestros Zito de Oliveira e Milton de Almeida.

A banda 'The Brothers Quartet' surgiu e se apresentou pelas noites com os irmãos

Acervo pessoal

O arranjador relembra que eram raras as apresentações culturais na região naquela época, por conta da difícil localização de Presidente Prudente, a quase 600km de distância de São Paulo (SP), e das estradas ruins que davam acesso ao local, muitas vezes, dificultando a vinda de artistas. Entretanto, recorda-se da abertura de uma espécie de boate, onde alguns músicos e cantores da cidade começaram a se apresentar.

“Nesse lugar, tivemos shows com artistas como Nelson Gonçalves, Moacyr Franco, entre outros, mas, além disso, o lugar abriu portas para que novos artistas, como eu e meus irmãos, pudessem se apresentar. Montamos um quarteto chamado 'The Brothers Quartet' e tocávamos todas as noites, de segunda a sábado”, salienta ao g1.

Outra ligação com o Oeste Paulista que resiste até hoje está relacionada à esposa, que é natural de Álvares Machado (SP), cidade vizinha a Presidente Prudente. Ambos se conheceram aos 14 anos, se casaram e, desde então, o arranjador conta que este é um dos motivos que o fazem viajar para a região, no extremo oeste do Estado de São Paulo. “Com a pandemia, ficamos cerca de três anos sem visitar a família da minha esposa, mas agora pudemos retornar. É sempre um prazer voltar para Presidente Prudente”, celebra.

A bateria foi o primeiro instrumento que Jota Moraes aprendeu a tocar

Acervo pessoal

Os trabalhos não param

Criador de grandes arranjos que se tornaram hits no meio musical brasileiro, escritor de trilhas de clássicos do cinema nacional, como a série “Os Trapalhões”, e autor de concertos para orquestra, Jota Moraes confessa que ainda tem pretensões para a carreira.

“Já fiz muita coisa durante a minha vida, mas meu grande desejo é ter mais tempo para escrever mais um concerto. Gostaria de me dedicar mais à música instrumental, relembrando os tempos de ‘Cama de Gato’ [grupo que integrou em 1992, ao lado de Pascoal Meirelles, Mauro Senise, Arthur Maia e Mingo Araújo]”, diz ao g1.

Com 75 anos, o arranjador ainda não abre mão de trabalhar e diz que a todo momento está tentando criar algo novo. “Acordo em torno das 4h30 e, por volta das 7h, já estou em frente ao computador. Só paro às 19h. Durante o dia, a minha vida é criar, fazer arranjos, buscar novidades, entre outras coisas”, cita.

Jota Moraes trabalha com diversas gerações do samba e do pagode

Acervo pessoal

Hoje, a maioria dos trabalhos é remota, por meio de chamadas de vídeo e e-mails, mas isso não quer dizer que a atividade ficou mais tranquila.

“Estou com vários projetos com grupos de pagode e samba que estão se alavancando, não só do Rio de Janeiro, mas também de outros lugares. Mesmo com a minha idade, faço questão de continuar a trabalhar. Posso dizer que sou um super velhinho e a música é o que me mantém vivo!”, conclui ao g1.

Jota Moraes trabalha com diversas gerações do samba e do pagode

Acervo pessoal

Jota é autor de trilhas de clássicos do cinema nacional, como a série 'Os Trapalhões'

Izabelly Fernandes/g1

Com 75 anos, o arranjador diz que não abre mão de trabalhar e que a todo momento está tentando criar algo novo

Acervo pessoal

VÍDEOS: Tudo sobre a região de Presidente Prudente

Veja mais notícias em g1 Presidente Prudente e Região.


FONTE: G1 Globo


VEJA TAMBÉM
FIQUE CONECTADO