Martins cresce como compositor e cumpre expectativas em disco que expõe o desejo à flor da pele

28 ago 2023
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Segundo álbum de estúdio do artista, 'Interessante e obsceno' apresenta coesa safra autoral (bem) embalada com a produção musical de Rafael Ramos. Martins transforma samba de Jorge Aragão em balada entre as 12 faixas do segundo álbum de estúdio, 'Interessante e obsceno'

José de Holanda / Divulgação

Capa do álbum 'Interessante e obsceno', de Martins

José de Holanda

Resenha de álbum

Título: Interessante e obsceno

Artista: Martins

Edição: Deck

Cotação: ★ ★ ★ ★

♪ Em 2019, Thiago Emanoel Martins do Nascimento era nome que já chamava atenção na cena musical do Recife (PE), mas ainda uma promessa em escala nacional, quando lançou o primeiro álbum, produzido por Juliano Holanda e intitulado Martins, sobrenome tornado nome artístico do cantor, compositor e músico pernambucano.

Decorridos quatro anos, Martins já deixa de ser promessa e cumpre expectativas ao lançar o segundo álbum de estúdio, Interessante e obsceno, posto no mundo na sexta-feira, 25 de agosto, dia do 33º aniversário do artista.

Gravado com azeitada produção musical de Rafael Ramos, o disco atesta o crescimento do compositor ao longo de 12 músicas. E, após a audição desse repertório quase inteiramente autoral, parece natural que Martins apareça nu na capa de Interessante e obsceno porque, em essência, o álbum versa sobre a liberação e a vivência do desejo.

O obsceno do nome do álbum e da canção-título talvez seja termo inadequado, pois Martins jamais explicita o sexo, como nas letras de funk e do pop industrializado nacional, mas exprime o desejo e escancara a paixão que vem tanto da alma quanto da carne.

E, a propósito da faixa-título Interessante e obsceno (Martins), a música evoca o cancioneiro mais amoroso de Geraldo Azevedo – compositor também nascido em Pernambuco – ao mesmo tempo em que o toque do acordeom Julio Cesar Mendes desenha paisagem rural em sintonia com os versos que falam em quintal e passarinhos.

Exposta ao longo do repertório, a sensualidade brota afetiva já na canção que abre o disco, Tua voz, balada pop folk de timbres contemporâneos, previamente lançada em 28 de julho como primeiro single do álbum.

Na sequência, em ritmo mais ágil e febril, Não duvido – parceria de Martins com Juliano Holanda – expressa sede e fome de viver em levada que remete ao samba-rock (com arranjo de sopros do trompetista Diogo Gomes) sem ser amostra típica do gênero. “Você tem fogo em demasia / Eu tenho lenha pra queimar...”, canta Martins em Não duvido com a boca em brasa.

Alocada como a terceira das 12 faixas, a canção Tá tudo bem – parceria de Igor Carvalho com o recorrente Juliano Holanda – surte menor efeito, mas o álbum retoma o poder de sedução e o trilho autoral na música seguinte, Deixe (Matins e Juliano Holanda), aliciante e melodiosa canção de espírito folk, levada pelo violão de Martins, mas adornada com as cordas do quarteto formado por Karolayne Santos (violino), Paula Bujes (violino), Pedro Huff (violoncelo) e Raquel Paz (viola).

“Deixe que tudo que há num corpo se revele / Pra que a vida cicatrize todo trauma / Pra que o desejo seja o anexo da pele”, sugere Martins na canção.

O desejo pulsa com a mesma frequência do amor ao longo do álbum Interessante e obsceno. Por isso, cai tão bem no disco a abordagem do samba alheio Eu e você sempre (Jorge Aragão e Flávio Cardoso, 2000), transformado em balada folk somente com violão (o de Martins), baixo (o de Alberto Continentino) e sutis programações de Rafael Smith.

Já Tem problema não (Martins) é samba-canção cheio de bossa e leveza, bafejado pelo sopro do trombone de Nilsinho Amarante ao transitar pela ponte Recife (PE) – São Paulo (SP).

Vem então uma sequência de músicas de rítmica mais forte, como a acalorada Arrepia (Juliano Holanda e Martins) – faixa de versos como “Quando a gente encosta / Boca na minha / Arrepia os pelos / Prova meu gosto / Sei do que ela gosta”, embasados por baticum em que sobressai a percussão de Kainã do Jêje, músico presente em oito das 12 faixas – e o ijexá Deixa rolar (Martins, 2022), apresentado por Daniela Mercury no álbum Baiana (2022).

A balada Nu (Juliano Holanda e Martins) repõe o disco em tempo de delicadeza e, nesse sentido, Interessante e obsceno soa no todo sem a potência do álbum ao vivo lançado por Martins com Almério no ano passado sem que isso seja demérito.

A pulsação está mais no fervor das músicas do que no canto suave do artista. Nem por isso o álbum deixa de ser realmente interessante. A quentura reside na paixão impressa nas letras.

“Quando eu vi o céu da sua boca / Eu me senti um avião / Havia mais estrelas / Do que dizem ter na imensidão”, poetiza Martins em Céu da boca, balada ardente à qual se segue música cheia de eletricidade, Voltar para si (Martins / PC Silva / Juliano Holanda / Marcello Rangel), levada em cadência próxima do ijexá no arremate do disco.

Mais interessante do que propriamente obsceno, o cancioneiro reunido por Martins neste segundo álbum solo mostra que nunca foi mera retórica o discurso de que o artista tinha potencial para se impor na música brasileira do século XXI. A promessa foi cumprida.


FONTE: G1 Globo


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