A difícil tarefa dos centros de transição para jihadistas na Nigéria

11 abr 2023
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Em uma região árida do norte da Nigéria, mulheres com véu passam por postos de comida enquanto homens aguardam em silêncio entre as longas fileiras de barracas, no que parece ser um típico acampamento de refugiados.

Na verdade, o campo de Hajj no estado de Borno é um centro de transição para dezenas de milhares de ex-jihadistas, suas famílias e aqueles que viviam sob seu controle.

Em troca de sua liberdade, o governo os convenceu a se renderem, para acabar com a insurreição do Boko Haram e do grupo Estado Islâmico na África Ocidental (ISWAP), que matou milhares de pessoas e forçou o deslocamento de mais dois milhões desde 2009.

Mas uma investigação da AFP revela sérios problemas no processo de seleção e 'desradicalização' dessas pessoas.

Em maio de 2021, o líder histórico do Boko Haram, Abubakar Shekau, foi morto em confrontos com o ISWAP. Seus combatentes e as pessoas que viviam sob seu controle tiveram que decidir entre se juntar ao grupo rival ou fugir.

As autoridades agiram rapidamente e lançaram panfletos de helicópteros nas áreas frequentadas pelos jihadistas para prometer que não os prejudicariam.

"Não vamos entregá-los ao exército. Vamos cuidar de vocês e de suas famílias em um acampamento em Maiduguri por quatro a cinco meses e então vocês serão libertados", diziam os panfletos.

A estratégia funcionou. Desde 2021, mais de 90.000 pessoas afiliadas a grupos jihadistas se renderam. A maioria passou pelo Hajj, outros por instalações semelhantes (Shokari e Bulumkutu).

A grande maioria dessas pessoas não são ex-combatentes, mas sim famílias que viveram sob o jugo jihadista.

- Seleção "negligente" -

Durante vários meses, a AFP - o primeiro veículo internacional a ter acesso ao Hajj, o maior desses três acampamentos - conversou com 12 ex-residentes que não quiseram revelar sua identidade, incluindo ex-combatentes, além de dois funcionários e trabalhadores humanitários.

Mas esses ex-residentes, cujos nomes foram alterados, descrevem uma seleção negligente, apesar de, segundo a documentação oficial, ser realizado um "intensivo processo de identificação e avaliação".

Dos três ex-combatentes entrevistados, apenas um afirma ter sido questionado sobre os confrontos em que participou. As mulheres são consistentemente consideradas "esposas" e nenhuma pergunta é feita a elas.

Os chefes das comunidades e dos grupos de autodefesa (CJTF) também participam da identificação.

"Há corrupção, às vezes os familiares vêm e dão algo para o CJTF, então eles dizem 'estes não são do Boko Haram'", denuncia Abdul, de 43 anos, ex-juiz da sharia sob o grupo jihadista.

O general aposentado Abdullahi Sabi Ishaq, assessor especial do governador para assuntos de segurança, afirmou que o programa, incluindo a identificação, é "realizado por 'profissionais'".

Em teoria, os ex-combatentes permanecem no acampamento vários meses e os outros vários dias.

Ishaq garante que os ex-combatentes seguem um treinamento de duas semanas, com aulas sobre "valores islâmicos" e "direitos humanos fundamentais".

Antes de serem libertados, os homens devem prestar juramento e prometer não voltar à região jihadista nem trabalhar para aqueles que continuam lutando.

- Ausência de justiça -

Outra motivação para os jihadistas se renderem é que as autoridades entregam algum dinheiro: uma ajuda mensal e uma quantia quando deixam o local.

Essa medida aumenta a tensão entre os habitantes de Borno, que sofrem há anos com o conflito. Muitos acreditam que as vítimas merecem uma indenização.

"Crimes graves foram cometidos. Alguém deve ser responsabilizado, porque sem alguma forma de justiça é difícil pensar como pode haver paz duradoura", afirmou um especialista em segurança internacional, que pediu anonimato.

Com um orçamento de cerca de 150 milhões de dólares (em torno de 762 milhões de reais), Borno planeja construir outro centro e três "aldeias integradas", onde combatentes rendidos possam viver temporariamente antes de se reintegrarem à comunidade.

"Talvez o plano funcione", admite o especialista em segurança. Mas "se isto não acontecert, o risco é que tenham à solta ex-combatentes violentos, que poderiam retomar atividades criminosas ou terroristas".


FONTE: Estado de Minas


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