De filtros para redes sociais a formação: iniciativas buscam ampliar espaço para pessoas negras na tecnologia

19 nov 2022
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g1 conversou com um fotógrafo que cria filtros de Instagram para peles negras, a criadora de um projeto que estimula a entrada de mulheres negras no setor e pesquisador que monitora como sistemas de reconhecimento facial afetam mais os negros. PretaLab é um projeto que conecta mulheres negras a vagas de trabalho em empresas de tecnologia

WOCInTech/Nappy

Ainda em percentual baixo, a presença de mais pessoas negras na tecnologia amplia as possibilidades da área, seja com a criação de produtos mais inclusivos ou com discussões sobre como algumas ferramentas podem ser prejudiciais para essa parcela da população, por exemplo.

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Para preencher algumas dessas lacunas, iniciativas têm surgido no Brasil nos últimos anos em ramos diferentes. Algumas surgem com a necessidade de obter dados de como a população negra no país se insere na tecnologia, outras para a melhorar a percepção que essas pessoas têm de si próprias.

O g1 conversou com representantes de três dessas iniciativas:

Silvana Bahia, criadora da PretaLab, que estimula a entrada de mulheres negras no mercado de trabalho de tecnologia;

Rafael Freire, fotógrafo e criador de filtros de Instagram voltado para peles negras;

Pablo Nunes, fundador de O Panóptico, monitor do uso de sistemas de reconhecimento facial no Brasil – a tecnologia costuma errar mais com pessoas negras.

Entenda abaixo como cada uma delas tem buscado trazer outros olhares para a tecnologia.

No mercado de trabalho

As mulheres negras estão sub-representadas no mercado de trabalho de tecnologia se comparadas com a sua presença na população brasileira. A PretaLab foi criada em 2017 como uma forma de aproximar essas profissionais e as empresas.

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O principal projeto da PretaLab é uma rede que atualmente reúne cerca de 700 mulheres negras e indígenas que trabalham na área de tecnologia. A ferramenta permite encontrar essas profissionais por meio das suas especialidades e dos estados em que vivem.

Por sua vez, as mulheres que pretendem ingressar nesse mercado ou que já trabalham na área podem participar de cursos gratuitos de programação e se inscrever em vagas de trabalho destacadas no site.

Idealizadora da PretaLab, a pesquisadora Silvana Bahia contou ao g1 que criou o projeto por conta de uma percepção de que havia poucas mulheres negras trabalhando nessa área.

"A iniciativa nasce com o objetivo de estimular o protagonismo de mulheres negras nesse campo da tecnologia e da inovação", disse Silvana.

Silvana Bahia, idealizadora da PretaLab

Thais Monteiro

Para ela, há duas explicações para as mulheres negras não terem mais representação neste setor do mercado de trabalho.

"A primeira é a falta de oportunidade e a segunda é uma falta de inspiração e de referência que a gente também tem nesse campo", afirmou. "É muito difícil você imaginar que pode estar num lugar quando não vê ninguém parecido com você".

Para Silvana, as pessoas negras podem contribuir muito na tecnologia com a criação de produtos e serviços que atendam às necessidades de uma parcela maior da população. Mas ela alerta que a inclusão deve envolver também o crescimento desses profissionais em suas áreas.

"A gente ainda não é quem dá as canetadas, quem toma as decisões. E isso é uma questão porque é importante que as mulheres se iniciem, mas também é importante que elas estejam em lugares onde as decisões são tomadas, é não só como um operacional", avaliou.

Nas redes sociais

Redes sociais como Instagram têm muitas opções de filtros de embelezamento de fotos. Mas alguns deles fazem os usuários aparecerem com mudanças em traços físicos e até mesmo com a pele mais clara, em um excesso de edição que é criticado por alguns usuários.

Fotógrafo Rafael Freire tem filtros para diferentes tons de pele negra

Reprodução/Instagram/Rafael Freire

Morador do Aglomerado da Serra, a maior favela de Minas Gerais, Rafael Freire atua há 10 anos como fotógrafo. Quando começou a estudar como fotografar pessoas negras, notou que não havia muitos filtros de redes sociais que fossem pensados para esse grupo.

Ele conta que ouvia muitas reclamações de pessoas negras sobre as opções que mudavam muito as características de seus rostos. Isso levou o fotógrafo a estudar como criar filtros de Instagram e a liberar sua primeira criação, que atende a diferentes tons de pele negra.

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"A galera gostou bastante. Então, eu comecei a fazer mais e mais filtros onde as pessoas se sintam bonitas do jeito que elas são, sem precisar mudar os traços e só valorizar a cor", disse Rafael, que hoje tem oito filtros em seu perfil na rede social.

"A pessoa seleciona, tanto para o preto retinto quanto para o preto de pele clara. O filtro é voltado para não mudar os traços das pessoas. Nenhum filtro meu muda o traço. A única coisa que ele vai valorizar é a questão da cor e do ambiente", explicou.

Na carreira como fotógrafo, Rafael se especializou em tirar retratos de pessoas, muitas delas negras. Ele criou um projeto em que fotografa moradores de comunidades, o que também lhe levou a tirar fotos de famosos, como MC Poze, para a capa do primeiro álbum do cantor.

"Quando eu comecei a fotografar há 10 anos, eu sentia muita falta de algo que se parecesse comigo", contou. "Foi aí que eu comecei a ter esse olhar mais crítico e um olhar para a minha comunidade".

"A ideia desse projeto é resgatar pessoas que moram na comunidade, pessoas comuns e transformando eles em modelos fotográficos", conta.

Capa de 'O Sábio', primeiro álbum de MC Poze

Rafael Freire/ Divulgação

Na privacidade

Os sistemas de reconhecimento facial podem ser menos precisos para pessoas que não são brancas, mas já foram adotados para segurança pública em ao menos oito estados brasileiras.

Para monitorar a adoção dessa tecnologia, o grupo O Panóptico foi criado em 2019. No final daquele ano, a iniciativa identificou 184 prisões com uso de reconhecimento facial. Dos casos em que havia dados sobre raça, a maioria dos presos eram homens negros.

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"Houve alguns casos de violações, de pessoas que foram abordadas de maneira violenta, que foram confundidas e tudo mais. Então, a partir daí, a gente viu que era necessário olhar de maneira mais detida", contou Pablo Nunes, fundador da iniciativa, em entrevista ao g1.

Para o pesquisador, o uso do reconhecimento facial em mais cidades pode aumentar o desrespeito aos direitos de pessoas negras.

"A população negra é a que mais aparece em alguns dos indicadores mais graves de violações. São os que mais morrem, são os que mais estão presos, com condenação ou sem, são os que mais têm diversas violações de seus direitos", disse.

Pablo Nunes, coordenador adjunto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) e fundador de O Panóptico

Renato Cafuzo

Nos últimos anos, o das dessas câmeras se espalhou no país, o que, segundo o pesquisador, foi impulsionado pelo momento político favorável às pautas de segurança pública e pelo interesse econômico de empresas, que têm oferecido a tecnologia em mais locais.

Os erros dos sistemas podem levar a prisões injustas e ao constrangimento com abordagens policiais indevidas. "No reconhecimento facial, os algoritmos erram mais com pessoas negras. Para aqueles que foram abordados e não eram a pessoa procurada, essa é uma experiência que fica", disse.

Pablo defende o banimento do reconhecimento facial para segurança pública, como aconteceu em cidades como São Francisco e Cambridge, nos Estados Unidos. A posição é rebatida por fabricantes desses sistemas, que defendem seu uso para aprimorar algoritmos.

"Fica claro para mim que, quando efeitos perversos do uso de tecnologia recaem majoritariamente sobre pessoas negras, o erro é aceito, é [visto como] algo que faz parte para a melhoria do sistema e não importa quem sejam as pessoas que vão perder ou que vão ser violadas em seus direitos por conta desse uso ", afirma.

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FONTE: G1 Globo


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