Leny Eversong, cantora vítima de gordofobia e apagada da história da música do Brasil, é tema de livro

15 out 2023
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Biografia de Rodrigo Faour reconstitui a trajetória da intérprete paulista que triunfou nos Estados Unidos nos anos 1950 e 1960, onde ganhou elogio de Frank Sinatra pela voz volumosa. Capa do livro 'A incrível história de Leny Eversong ou A cantora que o Brasil esqueceu', de Rodrigo Faour

Reprodução

Resenha de livro

Título: A incrível história de Leny Eversong ou A cantora que o Brasil esqueceu

Autoria: Rodrigo Faour

Edição: Edições Sesc

Cotação: ★ ★ ★ ★

♪ Em 1966, Cauby Peixoto (1931 – 2016) se recusou a chamar de “elefante”, no ar, a cantora Leny Eversong, com quem estrelava o programa Quadra de sete, atração da TV Record que misturava música e humor.

A atitude do cantor foi atípica. Como mostra o escritor e pesquisador musical Rodrigo Faour no livro A incrível história de Leny Eversong ou A cantora que o Brasil esqueceu, a artista de cabelos oxigenados foi vítima de gordofobia, em especial da mídia, durante todo o tempo que esteve sob os holofotes em carreira que atingiu o auge entre os anos 1940 e 1960.

Rara era a crítica ou reportagem escrita sem alusão ao fato de a cantora ser gorda, pesando cerca de 110 quilos por conta de desequilíbrio hormonal ocorrido quando Leny tinha 21 anos e acabara de dar à luz o único filho, Álvaro Augusto de Campos Figueiras, nascido em 9 de julho de 1941 e falecido em 2017.

Natural de Santos (SP), a cantora paulista veio ao mundo como Hilda Campos Soares da Silva (10 de setembro de 1920 – 29 de abril de 1984). Mas foi como Leny Eversong que Hilda ganhou o mundo, cantando no Uruguai, na Europa e sobretudo nos Estados Unidos, onde fez sucessivas temporadas a partir de dezembro de 1956, mês em que se apresentou pela primeira vez em Nova York (EUA).

Ao longo das 284 páginas dessa oportuna biografia, editada com textos do escritor Ruy Castro na contracapa e da cantora Cida Moreira numa das orelhas, Rodrigo Faour reconstitui a trajetória de Leny Eversong, cantora de fato esquecida pelo Brasil, que a atacou pelo que Castro caracteriza acertadamente como “nacionalismo hipócrita”.

É que, intérprete poliglota, Leny cantava em português – tendo especial preferência pelos sambas-exaltação do Brasil, veículos para a exposição da grandiloquência da voz potente e afinada da intérprete – e também em espanhol, francês e italiano, mas se notabilizou sobretudo por cantar em inglês nos Estados Unidos, onde teve show visto por Frank Sinatra (1915 – 1998), com direito a elogio do referencial cantor norte-americano. Detalhe: Leny cantava com inglês de pronúncia perfeita, sem sotaque e sem saber falar o idioma!

Nas temporadas nos EUA, Leny colecionou elogios unânimes e conviveu com Elvis Presley (1935 – 1977) em estúdio da rede de TV CBS – como atesta uma das (muitas) fotos reproduzidas no livro.

A matéria-prima da biografia são as reportagens e críticas sobre Leny Eversong pesquisadas por Faour e reproduzidas parcial ou integralmente em narrativa entrecortada pelo depoimento do filho da cantora ao autor e por outras entrevistas.

Leny Eversong com Elvis Presley (1935 – 1977) em estúdio da rede norte-americana de TV CBS

Reprodução

Tais reproduções comprovam que a cantora teve que lidar com recorrente gordofobia, intensa mesmo para os padrões comportamentais de épocas menos politicamente corretas. Com oito álbuns na discografia iniciada em 1942 – com single de 78 rotações gravado quando a cantora ainda era crooner do maestro Anthony ítalo-brasileiro Sergi (1913 – 2003) – e encerrada em 1968 com álbum gravado ao vivo com Cauby Peixoto na boate carioca Drink, Leny Eversong driblou a gordofobia, o bullying e as cobranças por repertório mais nacionalista. Mas jamais superou a morte do marido, Ney Campos.

Ney Campos desapareceu na noite de 4 de agosto de 1973, aos 52 anos, quando viajava de carro de São Paulo (SP) para o Guarujá (SP). O corpo de Ney nunca foi oficialmente encontrado e a morte nunca foi devidamente esclarecida (tendo sido oficializada somente em 1987), embora haja evidências de que a polícia o identificou com base na arcada dentária de corpo já em decomposição encontrado em praia de Bertioga, no litoral paulista.

A hipótese mais provável é a de que Ney Campos tenha sido assassinado por agentes do Dops por ter sido confundido com sindicalista envolvido na luta contra a ditadura de 1964. O fato, este comprovado, é que Leny Eversong perdeu o riso farto desde então e se apagou na vida e na carreira, ficando cada vez mais reclusa. Consta que a última aparição relevante da cantora tenha sido em programa exibido pela TV Tupi em 1978.

Já isolada, Leny Eversong morreu em 1984, em decorrência de complicações de diabates. Estava abandonada, esquecida e sem dinheiro. E permaneceu esquecida ao longo desses 40 anos por um Brasil que ignora a história desta grande cantora que entrou em cena pela primeira vez em 1932, aos 12 anos, em programa de rádio da cidade natal de Santos (SP), migrando depois para a cidade do Rio de Janeiro (RJ), onde alcançou o sucesso.

Ficaram para a posteridade os discos, nos quais se encontram gravações como as de Jezebel (Wayne Shanklin,1951), Mack the knife (Kurt Weill e Bertolt Brecht, 1928) – registro particularmente exuberante feito em 1960 – e Na Baixa do Sapateiro (Ary Barroso, 1938), feitas por Leny Eversong com moldura orquestral portentosa como a voz da cantora.

São gravações que atestam que a intérprete punha a técnica vocal apurada à frente da emoção em interpretações de tom over (com exceção de Mack the knife) – o que pode explicar, mas não justificar, o apagamento de Leny Eversong da história da música do Brasil. O canto de Leny Eversong teria ficado ultrapassado.

Outras hipóteses, como o corpo fora dos padrões estéticos e o fato de a cantora nunca ter se enquadrado em um movimento ou gênero musical, são levantadas por Rodrigo Faour na segunda parte do livro.

É quando o escritor discute o legado da artista e o esquecimento de Leny Eversong, cujo suprassumo da obra pode ser ouvido nas coletâneas póstumas A voz poderosa de Leny Eversong (2002), A grande Leny Eversong (2004), Grandes vozes (2007) e Super divas (2012), com destaque para a primeira, editada por iniciativa do mesmo Rodrigo Faour que ora eterniza em livro a história de fato incrível de Hilda Campos Soares da Silva, a Leny Eversong.


FONTE: G1 Globo


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