‘Mmm mmm mmm mmm’: os 20 anos do hit mais estranho da história da música pop

07 dez 2023
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Ao g1, líder do Crash Test Dummies explica letra e relembra sucesso cantado com vozeirão: 'Pensava que era péssimo'. Série 'Quando eu hitei' tem artistas que sumiram. 'Mmm mmm mmm mmm': os 20 anos do hit mais estranho da história da música pop

Em 1993, foi lançada uma das canções mais estranhas da história da música pop. “Mmm Mmm Mmm Mmm” tinha um refrão bastante simples: o vocalista apenas ficava cantando “Mmm Mmm Mmm Mmm”. Mesmo com toda essa peculiaridade, a música da banda canadense Crash Test Dummies chegou ao top 10 em mais de 20 países, incluindo o Brasil.

“As pessoas às vezes me perguntam. Qual é o problema? Você não conseguiu pensar em nenhuma palavra?”, diz Brad Roberts ao g1, rindo um pouco. Autor de “Mmm Mmm Mmm Mmm” e vocalista do Crash Test Dummies, ele até tentou encaixar frases na parte principal da música, substituindo o “Mmm Mmm Mmm Mmm”, mas não rolou.

“Eu fiz uma versão quando ainda não sabia qual seria a letra do refrão e então apenas murmurei. Eu só cantarolo a melodia. Mas a banda pensou que era assim que eu pretendia que a música fosse e eles ficaram bem chateados quando tentei colocar uma letra lá… falaram tipo ‘Não, não… menos é mais. Você tem que manter do jeito que está’. Então, mantivemos do jeito que estava.”

Na série "Quando eu hitei", artistas do pop relembram como foi o auge e contam como estão agora. São nomes que você talvez não se lembre, mas quando ouve a música pensa “aaaah, isso tocou muito”. Leia mais textos da série e veja vídeos ao final desta reportagem.

A banda canadense Crash Test Dummies, dona do hit 'Mmm Mmm Mmm Mmm'

Divulgação/Arista Records

“Mmm Mmm Mmm Mmm” conta a história de três crianças “estranhas”:

um garoto que sofre um acidente e aí com esse trauma o cabelo dele fica branco;

uma garota que não troca de roupa no vestiário porque ela tem marcas por todo corpo;

e um menino impactado ao participar de alguns rituais religiosos da família dele.

“Depois que todos os versos foram escritos, eu amarrei tudo com essa parte ‘Mmm’, que é basicamente um período de reflexão, enquanto o ouvinte tem tempo para assimilar a história da primeira pessoa. Depois, tem outro período de reflexão, depois o próximo verso e assim vai.”

Seria como aquela parte da conversa quando alguém ouve a história e fica dizendo “Hmmmm, entendi”, tipo uma pausa para entender o que foi falado? “Sim, sim. É exatamente isso.”

De onde vieram as histórias?

A ideia do garotinho que sofre um acidente de carro e o cabelo fica grisalho foi inspirada em várias histórias que Brad conhecia. “Acontece em períodos com um grande estresse emocional”, ele explica. “Isso aconteceu com meu tio-avô durante a Segunda Guerra Mundial, durante um período particularmente traumático. Durante a noite, ele desenvolveu uma mancha cinza na lateral da cabeça.”

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No segundo verso, uma menina tem manchas de nascença pelo corpo. “Por isso ela era separada do resto das crianças. Ela também tem uma marca que a faz ser diferente dos demais.”

A criança no último verso é inspirada em uma amiga. “Os pais dela eram cristãos fundamentalistas do tipo ‘santos roladores’. Eles frequentavam uma Igreja Pentecostal, onde ‘falavam em línguas’ nas cerimônias religiosas. Minha amiga ficava muito assustada, quando era pequena, porque os pais se ‘transformavam’ nessas outras pessoas e se comportavam de uma maneira que eles não conseguiam entender. Foi tudo muito traumático para ela.”

E esse vozeirão, ein?

Capa do álbum 'God Shuffled His Feet', lançado pelo Crash Test Dummies em 1993, com o single 'Mmm Mmm Mmm Mmm'

Reprodução

Outra peculiaridade de “Mmm Mmm Mmm Mmm” e da banda no geral é a voz super grave do cantor. Ele começou a carreira apenas escrevendo as músicas para outras pessoas cantarem. "E elas nunca cantavam do jeito que eu cantava na minha cabeça", lamenta.

"Virei cantor meio no automático. Eu nunca pensei que minha voz pudesse ser consumida pelas massas. Mas descobri que minha voz acabou sendo um catalisador para o nosso som. Para minha surpresa, as pessoas realmente gostaram da minha voz.”

Brad diz que demorou muito para "desenvolver" sua voz e encontrar uma forma de cantar. "Eu passei a maior parte do meu tempo fazendo aulas de piano ou aulas de violão. Não passei nenhuma parte da minha vida cantando, porque nunca conseguia cantar junto as músicas do rádio. Elas eram sempre muito agudas para mim. Eu pensava que era péssimo. O que eu precisava fazer era cantar junto com Johnny Cash ou Leonard Cohen. Então, demorei um pouco, mas encontrei minha voz.”

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Hoje, o vocalista vive com a esposa em Nova York. Ele segue na ativa: o Crash Test Dummies ainda faz turnês e ele tem desenvolvido ideias de novos projetos sobre temas complexos como a criação da linguagem. "Trinta anos atrás, éramos muito mais populares. Mas temos uma base sólida de fãs que vêm nos ver até hoje. Para mim, fazer turnês agora é muito mais agradável do que quando eu era muito mais jovem."

Ele diz que no auge da banda, nos anos 90, havia muita pressão. "A gravadora estava tentando apresentar a banda para um novo público, era um grande empreendimento. Isso tudo me pegou demais. Eu acordava às seis da manhã para dar entrevistas de rádio e então ficava fazendo isso o dia todo. Depois, fazia o show à noite, voltava para o hotel, dormia, acordava e fazia a mesma coisa o dia todo de novo. Aquele esquema era absolutamente exaustivo."

A banda Crash Test Dummies no começo dos anos 90, com o vocalista no centro

Divulgação/Arista Records

Agora, o cantor tenta sempre fazer as entrevistas antes das viagens. "Quando chego lá, consigo descansar o quanto preciso, faço exercícios, como bem e tudo mais. Então, eu tenho gostado muito mais de sair em turnê. Recentemente, foi publicado um livro sobre as relações entre fazer turnês e a saúde mental. A conclusão é que prejudica muito a psique. Mas eu tive muita sorte de ter membros da banda que me apoiaram muito e a nossa equipe, nossos empresários sempre nos ajudaram. Foi um período difícil, mas com ajuda a gente supera", garante o cantor, que tinha a companhia do irmão mais novo na banda, o baixista Dan Roberts.

Naqueles tempos, Brad teve problemas com o excesso de álcool. "Eu bebi muito por um bom tempo na minha vida, mas hoje não bebo mais. Não gosto mais de beber e provavelmente eu tenha bebido demais. Mas nunca escrevi músicas estando bêbado, mesmo nas vezes que escrevi sobre bebida. Eu não consigo escrever bem quando estou bebendo: é difícil entender o que estou sentindo e compartilhar isso de uma forma lírica, sabe?"

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Vários acidentes de carros

O nome da banda, Crash Test Dummies, vem daqueles bonecos usados em testes de acidentes de carros. Ele se machucou em uma batida de carro na infância. Não foi nada grave. Depois, envolveu-se em outros acidentes menores. Em 2000, quase morreu em um acidente de carro que teve até uma explosão. No fim, acabou só com o braço quebrado. De certa forma, a criança que sofre o acidente de carro na música é ele? “Com certeza é. Todas elas são um pouco eu.”

“Eu acho que eu nunca falei sobre isso, mas eu sofri um acidente de carro quando era um garotinho. Estava no carro dirigido pelo pai de um amigo e um motorista bêbado bateu na gente", relembra. "Enfim, eu era muito pequeno para realmente entender o que estava acontecendo mesmo. Mas eu machuquei meu pescoço e não pude ir à aula de ginástica no dia seguinte. Isso foi bom."

"Eu estava em uma idade muito impressionável, eu acho, embora meu cabelo não tenha ficado branco no acidente de carro. Só que eu sempre tive… não acho que medo ou fobia, mas uma certa dificuldade de entender como as coisas podem mudar rapidamente na nossa vida. Isso faz sentido?”

A música mais irritante de todos os tempos?

Brad Roberts, vocalista do Crash Test Dummies em foto dos anos 90 e em imagem recente

Reprodução/Site do cantor

Nos anos seguintes, a música apareceu em várias listas que nenhuma banda gostaria de ser incluída. Na revista "Rolling Stone", “Mmm Mmm Mmm Mmm” foi escolhida como uma das músicas mais irritantes de todos os tempos. O canal VH1 e a revista Blender, pegaram ainda mais pesado e botaram “Mmm Mmm Mmm Mmm” no ranking de piores músicas da história.

Esse tipo de coisa, claro, pode chatear qualquer um. Inclusive alguém tão solene e sagaz quanto Brad. “O negócio é que quando você tem uma música que fica tão famosa assim, você fica mais propenso a ser criticado mesmo, porque você nunca vai conseguir agradar todo mundo", explica, na resposta mais curta e direta de toda a entrevista.

"Eu fiquei bem lisonjeado quando, por exemplo, o Weird Al Yankovic fez uma paródia. Foi tipo um marco da minha carreira. Então, na verdade não vale a pena ficar prestando atenção nesse tipo de coisa.”

A vida depois de 'Mmm Mmm Mmm Mmm'

Três momentos da vida pessoal de Brad Roberts, do Crash Test Dummies: com o cachorro, com a esposa e compondo

Reprodução/Facebook do artista

Além de “Mmm Mmm Mmm Mmm”, o Crash Test Dummies ficou conhecido pelas letras inteligentes e honestas. Brad é formado em Literatura Inglesa pela Universidade de Winnipeg, cidade natal dele, no Canadá. Lançada após seu maior sucesso, “Afternoons & Coffeespoons” teve certo destaque na MTV e em rádios e paradas dedicadas ao rock alternativo. Na letra, Brad imaginava como seria a vida dele quando ele ficasse mais velho: “Algum dia, eu vou ter uma entrada no cabelo / Algum dia, eu vou usar pijamas durante o dia”.

O cantor de quase 60 anos não estava de pijama durante a entrevista feita por videoconferência, mas continua achando a música "divertida demais". "Eu tive a audácia de incluir T.S. Elliot em uma música pop e ainda gosto de ter feito isso. Ela é até hoje é muito bem recebida quando tocamos ao vivo. O nosso guitarrista faz um ótimo solo de guitarra, e daí tem uma pausa… e o arranjo bem além de como soa no disco. É uma das partes mais divertidas do nosso show.”

Será que rola tanta identificação pelo fato de a música ter versos sobre a única certeza da vida, que é a morte? Ele ri timidamente, antes de responder. “Eu acho que a letra conquista as pessoas por esse motivo, sim. Ironicamente, acho que o solo da guitarra é crucial na percepção que as pessoas têm dessa música, porque a versão ao vivo é muito enérgica.”

Brad Roberts (vocalista do Crash Test Dummies) e Ellen Reid (tecladista) posam juntos

Divulgação/Facebook da banda

Quando não estão em turnê, Brad tem estudado e gravado músicas sobre temas complexos como a era de ouro da música clássica. Ele diz que está “obcecado” com a criação da linguagem, os tempos em que “o som ainda não havia sido escravizado pelo sentido”. O verso está em “Sacred Alphabet”, música mais recente do grupo, lançada em março deste ano. “Eu comecei a me interessar pela linguagem e pela consciência quando estudei filosofia na universidade, quando era jovem", recorda. "Eu lutei para escrever essa letra por algum tempo.

Na parte musical, hoje a maior influência é a música clássica, principalmente Johann Sebastian Bach. “Tenho estudado algo chamado contraponto, uma forma de compor música que Bach pegou e ampliou muito. Comprei um piano durante a pandemia e decidi estudar piano clássico, coisa que nunca havia feito antes. Foi uma abordagem completamente diferente para mim comparando à maneira como eu escrevia antes, que era tocar acordes na guitarra e cantarolar melodias.”

Além do pop rock, nos últimos anos ele se dedicou aos mantras. "Eu fazia ioga, porque tenho algo chamado síndrome das pernas inquietas, que é um termo totalmente incapaz de fazer justiça à gravidade dos sintomas. É extremamente doloroso e consegui aliviar isso fazendo ioga."

"Por isso, os mantras e a ioga acabaram se tornando grande parte da minha vida. Mas aí eu quebrei o braço e tem sido muito difícil fazer ioga desde então, mas deveria voltar. Eu estava carregando o filhinho do meu irmão mais novo nas costas e me abaixei para levá-lo em cima de mim, foi quando eu caí e me machuquei. Foi a segunda vez que quebrei meu braço. A primeira vez foi em um acidente de carro, quando eu tinha 38 anos. Isso foi há muito tempo. É, estou velho."

VÍDEOS: QUANDO EU HITEI

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FONTE: G1 Globo


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