The Town: Hermeto Pascoal faz show para surpreender público, sua banda e a si próprio

01 set 2023
Fique por dentro de todas as notícias pelo nosso grupo do WhatsApp!

Ainda '100% intuitivo' aos 87 anos, um dos maiores nomes da música brasileira fala ao g1 sobre suas composições, o público ao redor do mundo e a apresentação no festival, neste domingo (2). A mente de Hermeto Pascoal não para. E, aos 87 anos, o senhor de longos cabelos e barba brancos, um dos nomes mais importantes da música brasileira, também não dá sinal de querer parar. Tanto que se apresenta neste domingo (2) no The Town, em São Paulo, com espírito fiel à sua carreira: "100% intuitivo".

"Eu gosto de me surpreender com as coisas que eu estou criando mesmo", diz, em entrevista ao g1, o multi-instrumentista que se apresenta no palco São Paulo Square.

"A minha mente não para. Ela chega e vai rodando como nosso planeta. Por isso que eu chamo a música de música universal. Nada de decorar as coisas. Só criar na hora, como a própria natureza. Eu me surpreendo mesmo."

Com uma carreira iniciada aos 14 anos, o alagoano já flertou com o jazz, o forró, o samba e o frevo –apesar de se referir a seu estilo como aquela "música universal" – e até por isso coleciona elogios, de nomes como Elis Regina e Miles Davis.

Na conversa, Pascoal falou sobre a experiência de se apresentar em festivais, a ausência de planejamento em seus shows, como a própria banda já se acostumou às suas surpresas, a inspiração para compor e a falta de vontade de parar. Todas as respostas, é claro, evidenciam uma mente que não para.

LEIA MAIS

THE TOWN Veja programação completa do festival em São Paulo

QUIZ Qual show do festival The Town é imperdível?

Leia a entrevista abaixo, editada para clareza:

G1 - Para o senhor, é melhor fazer um show solo ou participar de um festival com tantos outros artistas?

Hermeto Pascoal - É melhor (o festival), porque tem mais opções para o público também. Todo mundo tem oportunidade. Cada um fazendo seu lance. Então, não. Para mim não me atrapalha nada. Me deixa no meu horário que eu vou tocar com o grupo. Eu tendo meu horário, está tudo maravilhoso.

Desde que eu comecei, já toquei na praia para 40 mil pessoas e eu sentia que eles estavam curtindo a música. Como se eu estivesse tocando para mil, duas mil, três mil pessoas. Porque a música – e é o que eu estou falando –, ela é muito impressionante para as pessoas.

Eu vejo a vantagem que tem. Todas aquelas pessoas não gostam de uma música só, de um estilo de música só, e eu faço o que chamo de música universal, que também não é um estilo. Só são vários estilos.

Então, eu boto a minha "banca de frutas" e a minha "banca de carne" para todo mundo escolher a carne que quiser e a fruta que quiser.

G1 - E para essa apresentação no The Town? O senhor não gosta de planejar, mas, para tocar coisas inusitadas como os brinquedos que o senhor usou no Primavera Sound no ano passado, imagino que precise de algum tipo de planejamento.

Hermeto Pascoal - Eu penso assim: os instrumentos para mim podem funcionar visualmente falando. Ou o som também. Então tudo pode acontecer. De repente, pode ser até a comida.

Passa a ser um jogo de futebol na minha cabeça. Eu não penso nada, porque eu não gosto.

Eu gosto de me surpreender com as coisas que eu estou criando mesmo.

A minha mente não para. Ela chega e vai rodando como nosso planeta. Por isso que eu chamo a música de música universal. Nada de decorar as coisas. Só criar na hora, como a própria natureza. Eu me surpreendo mesmo.

G1 - O senhor sempre lembra muito que é um músico intuitivo. Um improvisador. E já falou que ama cada música como se fosse um filho. Já existiu algo que o senhor tocou e criou ali no momento e ficou um pouco triste por ver essa esse filho partindo?

Hermeto Pascoal - Não. Eu crio muito rápido. Então, eu nunca fiquei sentindo falta daquilo que eu gostaria de fazer e não fiz. Não é nada disso, porque eu não me preocupo com isso, não.

Se acontecesse alguma coisa seria normal. Se eu não fiz era porque não era para fazer. Para mim, tudo é natural. Tudo é natureza. Tudo é universal.

G1 - E como o senhor avalia os outros gêneros, as outras batidas que são mais populares no Brasil agora?

Hermeto Pascoal - É justamente isso que eu digo. Eu não avalio nada. Por respeito por mim e pela intuição que o universo me dá, que Deus me dá. Como eu falei antes, sou 100% intuitivo.

É lindo isso, saber que eu estou aqui agora e no Japão, ou em qualquer lugar do mundo, eles estão tocando a minha música – muito mais até do que aqui no Brasil. Eu dou autógrafo lá fora assustado de tanta coisa que eu recebo assim. Isso é sensacional.

G1 - E o senhor já parou para pensar por que isso acontece?

Hermeto Pascoal - Não é o público que não quer ouvir. Se fosse assim, os meus shows não seriam lotados. Eu posso fazer show em qualquer lugar do Brasil, e sempre foi lotado. Desde que eu comecei – olha só, que coisa linda – sempre foi lotado. Imagine hoje, né? E no mundo já tem lugar que 15 dias antes não tem mais ingresso.

Mas aqui você não me vê na televisão divulgando show. Ninguém me convida para entrevista aqui no Brasil. Não estou dizendo ninguém, porque às vezes eu dou umas entrevistas e tal.

Pensando bem, eu não preciso, porque o público que eu tenho no mundo inteiro realmente dispensa qualquer coisinha de papo furado.

Hermeto Pascoal e seu grupo

Gabriel Quintão/Divulgação

G1 - E qual o seu lugar favorito para se apresentar?

Hermeto Pascoal - Não tenho. Porque eu não toco a mesma coisa. Se eu tocasse a mesma coisa até poderia dizer, mas eu não. Cada show que eu faço é uma surpresa para mim, inclusive. É uma história – uma história maravilhosa.

O público sempre me surpreende. Porque eu vejo pessoas de todas as idades. Pessoas interessantes demais. Crianças dançando. Coisas assim que só Deus me dá.

G1 - E como é essa busca por coisas novas, por sons novos, como os brinquedos que o senhor usa? É aleatória, está ali em casa e pega um negócio e começa a fazer um som, ou realmente há uma ação consciente de buscar?

Hermeto Pascoal - Não, não vou buscar nada, porque o universo é tão maravilhoso. E quando eu falo universo, eu não falo em um planeta só. São vários planetas, vários universos.

É uma rapidez tão grande que o meu espírito não tem essa velocidade de fazer tanta coisa. Mas é como eu te falo. Eu sou 100% intuitivo. Quando eu digo isso é porque eu nasci assim.

Então, quer dizer, vem as coisas para mim tudo assim. Eu não sei falar daquilo que eu faço, porque, se eu estiver falando agora do que eu faço, quando terminar já estão rolando outras coisas. Perderia tempo que ela iria ter tempo se eu fosse explicar, entendeu?

Eu não tenho direito de explicar uma coisa que é – eu chamo de – universal. Se botar dez pessoas para escutar a minha música, as dez falam cada uma (sobre ela) da sua maneira. Mas de forma semelhante.

G1 - E o senhor sempre fala muito disso também de como a natureza é a base para as suas composições. É uma natureza, digamos, universal ou dependendo do lugar onde o senhor está isso influencia?

Hermeto Pascoal - Eu não sei dizer. Não sei dizer por que eu estou com fome, como eu estou com fome. Eu não sei dizer nada. Eu só sei dizer que eu sinto as coisas e faço. Não tem adjetivos, sabe. Eu inventaria. Seria invenção minha (responder).

Eu posso dizer um negócio para você agora. Antigamente as pessoas (perguntavam): "E aí, como é que vai ser o show?". Eu dizia: "Só Deus sabe".

O meu próprio grupo mesmo. Tudo mundo já se acostumou a isso. Quando o grupo entra no palco é sempre casa nova de Deus (risos).

G1 - (risos) Isso deve ser maravilhoso, né? Acho que para não só para o senhor, mas para eles também.

Hermeto Pascoal - Nossa, é uma coisa que não tem nem explicação. Tem só amor. Amor e som.

G1 - Em uma entrevista ao g1, em 2017, o senhor disse que a música não deixa o senhor parar de tocar. Agora, com 87 anos, fica ainda mais impressionante. O senhor continua sem chance de parar?

Hermeto Pascoal - Olha, eu me casei novo, tive meus filhos e a música nunca atrapalhou. Trabalhando à noite em boate para tocar e nunca achei que era sacrifício. Eu sempre agradeci a Deus por eu ter aquele trabalho, e nunca tive vontade de fazer uma outra coisa.

Sempre procuro o melhor naquilo que eu faço e acontece sempre.

Parar, nunca. Eu sou espiritualista. Mas o corpo é uma coisa. Se você olhar para o meu corpo agora, ele está se desmanchando. E nem por isso vou ficar com raiva dele, não, coitado. Aguentou muita coisa.

Eu, com o meu corpo, eu subia montanhas, em árvore. Ele me deu muita coisa, muita inspiração.

Hermeto Pascoal

Gustavo Lacerda/Divulgação


FONTE: G1 Globo


VEJA TAMBÉM
FIQUE CONECTADO