The Town: ‘Se experimenta antes de saber o que é, vai se interessar’, diz Esperanza Spalding sobre jazz

31 ago 2023
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Cantora e instrumentista faz duas apresentações no sábado (2) e no domingo (3), no palco SP Square, no The Town. Esperanza Spalding já se acostumou com os olhares de lado e caras de julgamento quando aparece. Contrabaixista, cantora e produtora de jazz, com cinco prêmios Grammy na estante, ela conta que há 20 anos lida com a pressão de ter que tocar bem e estar fazendo música.

"Sempre me senti duramente julgada, duramente criticada. Também porque eu sou bonita. Tem muitas suposições sobre como consegui oportunidades que consegui. Algumas delas estão corretas", diz a artista em entrevista ao g1. "É a economia capitalista que funciona na base na capacidade de venda e o meu rosto, durante os anos, porque eu sou ainda jovem, tem conseguido vender o que eu estou fazendo."

A artista se apresenta nas noites de sábado (2) e domingo (3), no palco SP Square, no The Town. Aos 38 anos, a jazzista, qua ganhou seu primeiro Grammy em 2011, quando desbancou Justin Bieber na categoria de artista revelação, dá um ar mais pop aos seus trabalhos (e ao jazz) e convoca a turma a explorarem e experimentarem mais a música.

Esperanza Spalding em apresentação em Havana, em Cuba, em abril de 2017

Ramon Espinosa/AP

"Se você se sente desconfortável, há um silêncio e você começa a cantar para você mesmo. É uma coisa a ser notada", diz. "Alguma coisa dentro de nós mostra que há um conforto em cantar para si. Estamos fazendo isso o dia inteiro. Todo o dia. E hoje, no fim do dia, você vai ligar a música porque vai causar alguma coisa em você. É inconsciente, por isso que você liga a música."

Um de seus últimos trabalhos, "Songwrights Apothecary Lab", de 2021, aborda a música como cura. Ao trabalhar em uma ópera com o saxofonista Wayne Shorter, que estava doente, ela contou em entrevistas que o artista "voltou à vida".

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A artista então se juntou a artistas de outros estilos musicais e profissionais de musicoterapia e neurocientistas para explorar como artistas podem misturar sons terapêuticos em suas composições.

"[A música] ajuda o tempo inteiro. Ajuda a publicidade a nos vender coisas. Nos ajuda a sentirmos energizados para continuar no trabalho por oito horas", diz. "Eu encorajaria pessoas a experimentarem, a notarem as formas como você já usa música e a use ainda mais. Em quais outras coisas você pode usar a música para te ajudar?"

Esperanza Spalding ao ganhar primeiro prêmio Grammy em 2011

Jae C. Hong/AP

Sobre as duas apresentações no The Town, ela conta que devem ser diferentes. "Só temos uma hora e isso é dois terços do que geralmente tocamos. Então, provavelmente, vamos fazer a primeira noite por uma hora e depois pensar o que queremos mudar para fazer diferente", diz. "Improvisação é grande parte do que fazemos todas as noites, obviamente. Então, parte dele é responder ao sentimento do lugar. Temos que ver como o lugar sente a música."

Veja abaixo a entrevista de Esperanza Spalding ao g1:

g1 - Hoje em dia, o jazz é visto com o um estilo de elite. Como você enxerga o estilo e como faz para deixá-lo mais pop?

Esperanza Spalding - A linhagem da música jazz - entre aspas - não é em nada elitista. É uma música folk [estilo de música popular tradicional transmitido oralmente de geração para geração]. É realmente o contrário, porque ela foi criada de certa forma e como um ponto sensível na sociedade - entre aspas - por causa de forças elitistas que não queriam reconhecer a criatividade e inovação do negro.

Esperanza Spalding ao lado de Bobby McFerrin, durante apresentação na pré-cerimônia de do Grammy em 2011

Matt Sayles/AP

O estilo em si cresceu como música folk por causa do elitismo, por causa do racismo e da supremacia branca que diziam que essa música não era válida.

É engraçado como em um curto período de tempo, 50 ou 60 anos, as pessoas associaram esta música folk, a música dessas pessoas, a música folk espiritual, que, com certeza, tem técnicas de alto nível, como a maioria da música folk tem - o samba é inacreditável, suas técnicas são inacreditáveis, é preciso de muita habilidade para tocar - com os mesmos setores da sociedade que inicialmente foram uma força que ajudou a criar ao se opor a ela. É tão abstrato. E eu não estou tentando fazer nada além de tocar o que eu ouço e tocar o que quero ouvir. É basicamente tudo o que eu tenho a dizer.

g1 - É um estilo que precisa sim de muita habilidade, exige, é mais complicado…

Esperanza Spalding - Sim, a vida é complicada. É música ao vivo. Música verdadeira é complicada. A verdade não é simples e imediatamente digerida. Talvez queremos que as coisas sejam simples, e a publicidade nos ajuda a sentir o gosto da simplicidade, mas a existência… viver, ser mulher, estar no Brasil, estar em Portland, tudo é muito complicado.

O que eu sei do jazz e dos músicos que eu conheço, é que nós tentamos contar a verdade. Tentamos tocar quem somos e o que somos, o que pensamos e sentimos. Não são coisas simples. Nunca é simples e queremos contar tudo.

Mesmo quando a melodia é relativamente simples… estou dando uma ideia básica aqui: estou cansada hoje, isso é bem simples. Mas tem níveis disso, sabe? E a música tenta retratar a complexidade que está viva, mesmo que na forma mais básica da experiência humana.

g1 - Você acredita que as pessoas estão mais interessadas em jazz agora ou por ser tão complicado e complexo quanto a vida as pessoas têm mais resistência?

Esperanza Spalding - [risos] Humm, isso é interessante. É curioso pensar sobre isso nas diferentes eras, como sociedade. É curioso pensar como gravitamos por coisas diferentes em tempos diferentes, individualmente. Tipo, às vezes quero ouvir Geri Allen [pianista e professora de jazz, que morreu em 2017], às vezes eu quero ouvir Little Simz, às vezes quero ouvir MF Doom, às vezes eu preciso ouvir um pouco de Roberta Flack, ou só quero ouvir Milton [Nascimento]. Nós temos o impulso e o instinto de 'que música preciso para me sentir bem agora', sabe?

Então, não tem a necessidade de empurrar nenhum estilo de música em particular para ninguém. Defenderia apenas que todas as músicas estivessem disponíveis e todas as músicas fossem muito acessíveis, o que significa que, provavelmente, todos os seres humanos vão estar expostos a elas e, então, você vai lembrar daquele som quando precisar dele.

E, para responder a sua pergunta mais direta, o que realmente me perguntou, alguém citou Duke Ellington dizendo que vai sempre existir uma parcela pequena da população que gosta de música altamente criativa, vamos dizer, música exploratória. Ele estava dizendo isso nos anos de 1960. Então, talvez não seja que mais pessoas estão gostando de jazz - jazz entre aspas -, talvez seja porque existem mais seres humanos. São os mesmos 5% da população, ou algo assim. É só um número maior de seres humanos, porque, em geral, nós somos maiores em espécie na Terra.

g1 - Como professora [Esperanza foi instrutora na Universidade de Berklee e professora no departamento de música em Harvard] e musicista, você acredita que as gerações mais novas podem se interessar em jazz?

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Esperanza Spalding - Sim, muitos jovens gostam de jazz. É curioso. É difícil, eu acho, nos dias de hoje parar para entrar na música no contexto cultural. Tipo, geralmente, temos que ouvi-la em um disco ou em um programa de TV ou algo assim, mas eu acho que quando os jovens, ou qualquer um, experimenta, tipo, escuta alguém tocando ou vai tocar, é divertido. E é lindo e envolvente.

Se você experimenta antes de saber o que é, provavelmente, você vai se interessar. Mas não é uma música ao vivo comum, então, é mais difícil estar exposto a ela.

g1 - O que é preciso fazer para que as pessoas fiquem mais interessadas ou conheçam mais o jazz?

Esperanza Spalding - É curioso, porque, talvez, eu pense diferente dos meus pares. Não me sinto 'evangélica' sobre isso. Sinto que é uma expressão humana muito poderosa. Posso dizer que é uma tecnologia muito poderosa, tipo, sagrado, sabe? Você pode prejudicar coisas sagradas pressionando demais as pessoas para convencê-las de que elas precisam acreditar naquilo ou deveriam gastar tempo com aquilo. Acho que talvez seja o contrário.

Esperanza Spalding se apresenta ao lado de Stevie Wonder em evento beneficente, em Los Angeles, em 2013

Paul A. Hebert/Invision/AP

Quanto mais nós, praticantes de jazz, conhecemos, confiamos na beleza, no poder, na sacralidade do que estamos fazendo, e fazemos isso o tempo todo, e encontramos maneiras para compartilhar e falar sobre isso, ensinar, ouvir, honrar isso, as pessoas que precisam encontrar vão encontrar. Elas encontram.

E, mais importante, o jazz não pertence a ninguém. Não existe apenas uma versão de jazz que você vai tentar fazer as pessoas gostarem. É tão vasto e versátil. Tem tantas expressões da música quanto pessoas tocando. Então, qual delas você usaria para promover, sabe? Porque não tem apenas uma música, não é apenas um som. Provavelmente eu diria apenas faça o tempo todo.

Se você sabe o quão especial é, se sabe o quão sagrado é, apenas fala e compartilhe, e dê às pessoas, e toque para pessoas, fale sobre isso, cante sobre isso, seja isso. As pessoas vão entender, elas vão notar que tem algo especial nisso.

g1 - Você é uma mulher, jovem, que se destacou no meio de figurões do jazz, se apresentou com muitos deles. Você ainda sente algum tipo de pressão?

Esperanza Spalding - Sempre senti. Isso acontece há 20 anos ou mais. Só me acostumei com isso. É uma coisa constante. Sempre me senti julgada, duramente criticada. Também porque sou bonita. Tem muitas suposições sobre como eu consegui as oportunidades que eu consegui. Algumas delas estão corretas.

É a economia capitalista que funciona na base da capacidade de venda e o meu rosto durante os anos, porque eu ainda sou jovem, tem conseguido vender o que eu estou fazendo.

Acho que há muito ressentimento sobre isso por parte das pessoas que não tem acesso a isso, tipo, acesso ao recurso publicitário da sua imagem do mesmo jeito que eu tenho. E tem muito estigma da mulher na música em geral.

Eu sempre senti as pessoas me olhando de lado e me julgando. Até mesmo se estou tocando bem, é como se eles não ouvissem porque tem muitos estigmas e projeções colocados em mim. Senti isso a minha vida inteira e isso não me compromete mais, sabe?

Foi muito dolorido em muitos jeitos, mas, por outro lado, foi benéfico. Meu gênero, minha aparência ou minha cor, ou minha idade, tudo isso gerou fricção interpessoal, ou ressentimento, ou pressão, ou expectativas diferentes, e também me serviram para me colocar no mercado, de um jeito muito óbvio, o que me permitiu ter espaço e liberdade para me desenvolver como musicista, e contratar quem eu queria contratar para tocar o que eu quero tocar, porque eu posso pagar. Então, eu não ligo.

Este é meu ponto: eu sinto e tenho consciência disso, mas eu não ligo porque é uma troca. Entende o que eu quero dizer? Se fosse um homem mais velho e estivesse tocando há trinta anos, e ralado, e não fosse bonitinha, talvez ninguém me julgaria, e eu não sentiria pressão, mas talvez eu não teria este show no festival.

A gente trabalha com o que a gente tem. Só estou tentando fazer o meu melhor onde eu vou, e eu sei onde estou dentro desta linhagem que, tipo, você nem pode rastrear a origem, é tão profunda, tem tantos deuses, tantos profetas, alguns nós conhecemos, outros não.

Me sinto claramente uma estudante, uma bebê, e uma colaboradora para a linhagem e isso é tudo que eu preciso me preocupar. A pressão das outras pessoas é problema delas, eu estou tentando fazer o meu trabalho.

Milton Nascimento divide o palco com a contrabaixista e cantora americana Esperanza Spalding

Alexandre Durão/G1

g1 - Você montou o "Songwrights apothecary lab" depois de ver Wayne Shorter, que estava doente, se recuperar enquanto trabalhavam em um projeto musical. Você consultou especialistas em musicoterapia, psicólogos, neurocientistas para produzir o álbum, com o foco na cura, em como a música pode fazer sentir. Como foi esta experiência?

Esperanza Spalding - Acho que jazz é uma tecnologia musical assim como uma prática de balé, de break dancing. É uma tecnologia que você pratica para se tornar versátil. Uma vez que você tem a habilidade da versatilidade, então, existem infinitas combinações que você pode fazer com isso. O que quero dizer é que o jazz é uma tecnologia que traz versatilidade, mas também é um estilo de expressão humana. Não é só o jazz que faz a exploração possível. Este é só o estilo que estamos usando porque sou eu fazendo essa exploração. A música em si, a mídia de música, o fenômeno da música, é o que dá suporte para esta nossa exploração.

A ideia de trabalhar com profissionais que estudam como o som afeta o corpo, como o som afeta a anatomia, surgiu originalmente de notar o jeito que eu estava usando a música pra curar. Li sobre jeitos que a música foi recurso poderoso de terapia para pessoas que não estavam sendo ajudadas com outros métodos.

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Comecei a pesquisar e passei a entender que existia um universo, ao longo da história humana, de pessoas que aplicaram a música em diferentes questões e situações, seja para fadiga, ou para manter a organização militar, com soldados em uma missão, para pessoas sofrendo de transtorno de estresse pós-traumático, até náuseas após uma cirurgia… São tantas formas.

Eu pensei, como nós, músicos de jazz ou cantores, compositores folk ou coisa assim, como músicos, podemos colaborar com outros cientistas e profissionais para ajuda a trazer o melhor e o que cada um tem a contribuir mais para curar, trazer mais bem-estar para as nossas comunidades e em qualquer lugar que trabalharmos?

g1 - Como a música pode ajudar as pessoas?

Esperanza Spalding - Ajuda o tempo inteiro. Ajuda a publicidade a nos vender coisas, nos ajuda a sentirmos energizados para continuar no trabalho por oito horas. Ajuda os pedreiros nas construções a sentirem o trabalho menos monótono. Toda vez que eu passo em áreas de construção, ouço as pessoas ouvindo música no rádio. Ajuda quando está de luto. É uma parte grande do que nós somos enquanto espécie.

Se você se sente desconfortável, tem um silêncio, você começa a cantar pra você mesmo. É uma coisa a ser notada. Alguma coisa dentro de nós mostra que há um conforto em cantar para si. Estamos fazendo o dia inteiro. Todo o dia. E hoje, no fim do dia, você vai ligar a música porque vai causar alguma coisa em você. É inconsciente, por isso liga a música. Por isso que tem isso na sala. É só um microcosmo de exemplos de como estamos trabalhando com a música o tempo inteiro.

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Uma coisa interessante é que às vezes usam música para lembrar de eventos históricos importantes, às vezes usam canções para lembrar de receitas e fórmulas. Eu encorajaria as pessoas a experimentarem e notarem nas formas como já se usa música. Em quais outras coisas você pode usar a música para te ajudar?

g1 - Sobre os shows no The Town. É um festival tão alto quanto o Rock in Rio. Você vai se apresentar nos mesmos dias que Post Malone e Bruno Mars. Como fazer ou adaptar uma apresentação de jazz em um festival grande como esse?

Esperanza Spalding - Já me sinto adaptada. Quero dizer, eu sou a espécie que eu sou. É como esquilos na cidade, sabe? Esquilos na cidade ainda são esquilos. Você curte ver os esquilos, os esquilos curtem fazer as coisas deles e provavelmente curtem estarem pela cidade. Somos animais diferentes no mesmo ecossistema.

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Eu não tenho de fazer nada além do que eu faço. E confio no sistema de som, e meu engenheiro vai ter a mesa de som, certo? Tudo que podemos fazer para sermos ouvidos… mas não vamos nos contorcer ou algo assim para caber no contexto. Nós somos parte do contexto, fomos convidados. A música que eu faço, o jeito que eu toco, foi convidado. É isso que eu vou levar, é isso que me foi pedido. Vai ser lindo.

g1 - E como você pensa o show?

Esperanza Spalding - Temos uma companhia de dança, eu montei uma companhia de dança no ano passado com um dançarino maravilhoso, Anthony Brown, então nós estamos incorporando mais dança dentro da performance.

Isso é uma coisa que familiarizado com o jazz ou não é uma linguagem universal, a dança é como um denominador comum de alguma forma, um equalizador.

g1 - Você se apresenta em dois dias diferentes. As apresentações também serão diferentes?

Esperanza Spalding - Provavelmente, porque não estamos acostumados a tocar por apenas uma hora. Isso é dois terços do que costumamos tocar. Então, provavelmente vamos fazer a primeira noite e depois pensamos o que queremos mudar. Provavelmente faremos um set diferente na noite seguinte, porque uma hora é tão curta, vamos tentar nos concentrar nisso.

Esperanza Spalding ao lado de Thara Memory, ao receber o Grammy de melhor para arranjo instrumental com vocalista, com 'City of roses', em 2013

John Shearer/Invision/AP

g1 - Você gosta de tocar em festivais? Ou prefere lugares menores?

Esperanza Spalding - Deus, eu não sei. Todo mundo é tão diferente. Toda performance é tão diferente. Improvisação é grande parte do que fazemos todas as noites, obviamente. Parte dela é responder o sentimento do lugar. Temos que ver como o lugar sente a música. Mas é difícil dizer. Geralmente, eu gosto quando o som está bom. Isso é importante. Quando o som está bom no palco e o som é bom ali na frente, temos um bom show.


FONTE: G1 Globo


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