Diretor de ‘Funk Rave’, clipe de Anitta que venceu VMA, já fez obras de Milton Nascimento, Criolo e Emicida

14 set 2023
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'Funk Rave' foi considerado melhor clipe latino na premiação americana e foi dirigido por dois brasileiros, Ricardo Souza e João Wainer. Ricardo Souza e Anitta em gravação de 'Used To Be'

Arquivo pessoal/Ricardo Souza

Até os 20 anos, Ricardo Souza nunca tinha visto de perto uma câmera. Muito menos as que usou há pouco para gravar os três clipes mais recentes de Anitta —”Funk Rave”, “Casi Casi” e “Used To Be”—, já com seus 41 anos.

O cargo de diretor num projeto de dimensão internacional como esse parecia distante demais da quebrada do extremo da zona sul de São Paulo, onde ele cresceu.

O cineasta conta que, no set de filmagem de "Funk Rave", lembrou da infância quando viu o campinho de futebol de favela.

O produtor e cineasta Ricardo Souza

Arquivo pessoal/Ricardo Souza

“Eu vim de um bairro pobre, violento. Aquele campinho era exatamente como o que eu jogava”, diz o filho de mãe vendedora e pai desconhecido.

Ele seguia o caminho da mãe, trabalhando em uma loja de roupas, até que foi chamado para ser motorista de uma produtora, durante a gravação de uma série de TV. Entre uma entrega e outra de fitas, pedia para um operador da central técnica explicar o que faziam aqueles equipamentos.

Anitta no clipe de 'Funk rave'

Divulgação

“Eu ficava lá encantado, aprendendo: ‘isso aqui é SDI. Isso aqui é sinal composto. Isso é uma beta digital, isso é uma beta analógica. Isso aqui é uma TIC’. Aí ele começou a me ensinar a sonorizar”, relembra.

Foi seu interesse que fez a editora executiva do canal chamá-lo para trabalhar na pós-produção da série. Ele aceitou e, rapidamente, virou editor e finalizador do projeto, mesmo sem ter completado o ensino fundamental. Ricardo parou na sétima série.

“No início dos anos 2000, eu não tinha como fazer faculdade de cinema, não tinha curso de audiovisual, não tinha nem YouTube. Eu aprendi na raça, na prática, sem ter referência nenhuma.”

Luz, câmera, ação

Após ingressar no audiovisual, migrando de uma produtora a outra, Ricardo foi parar na boca de artistas. Primeiramente, como produtor-executivo de fashion films e chegou a exibir projetos na SPFW, a São Paulo Fashion Week.

Das passarelas, passou a atuar com publicidades e videoclipes de música. Esses variavam entre artistas da cena independente e nomes canônicos como o de Milton Nascimento.

Ricardo Souza e Anitta em gravação do clipe 'Casi Casi'

Arquivo pessoal/Ricardo Souza

Esteve na pós-produção de "Cais" e "Não Existe Amor em SP", parcerias entre Milton, Amaro Freitas e Criolo.

Em 2021, voltou a trabalhar com o rapper, em "Sistema Obtuso", que traz também o duo de eletrônica Tropkillaz. E neste ano, em "Pretos Ganhando Dinheiro Incomoda Demais".

Outro rapper com quem Ricardo trabalhou é Emicida, no documentário "Emicida: Amarelo - É Tudo Pra Ontem" e nos clipes de "Pequenas Alegrias Da Vida Adulta" e "Libre".

Favela Love Story

Em “Funk Rave”, o cineasta dividiu a direção com um gigante: João Wainer, o premiado fotojornalista e cineasta, neto de Samuel Wainer, um dos nomes mais importantes da imprensa brasileira.

Família de Anitta comemora prêmio no VMA 2023

“O Ricardo é muito talentoso, tem uma trajetória incrível. Tá só começando a brincadeira”, afirma o codiretor. “A gente vai ver o Ricardo brilhar muito ainda.”

O clipe, que levou o prêmio de Melhor Videoclipe Latino, do VMA (Video Music Awards), tinha uma equipe toda de brasileiros. Foi gravado numa favela da zona oeste do Rio de Janeiro e mistura espanhol, inglês e português, além de reggaeton e funk.

Final de semana na quebrada

Quando topou entrar para o projeto da cantora, Ricardo não sabia, claro, que estava prestes a ganhar a estatueta do VMA. Mas já tinha noção de onde estava se metendo. Era Anitta, a cantora pop mais bem-sucedida do país.

Cheio de referências ao cotidiano das favelas brasileiras, o clipe de "Funk Rave" seria, como já indicava desde o princípio, mais uma aposta da carioca no público gringo.

Ricardo Souza e João Wainer em gravação de clipe da Anitta

Arquivo pessoal/Ricardo Souza

Para pôr holofotes sobre o Brasil periférico, Ricardo uniu, então, o turbilhão de ideias da Anitta às suas próprias memórias. "'Funk Rave' é um final de semana na quebrada", diz ele.

Pagode rolando solto, churrasco de dar água na boca e meninas trançando cabelo na rua são algumas das cenas que, segundo ele, dão o tom periférico que era necessário à obra.

Os diretores ainda levaram alusões aos anos 2000 e se inspiraram em "Cidade de Deus" — da paleta de cores aos objetos cênicos.

Sexo oral em 'Funk Rave'

Antes mesmo de ser lançado, o clipe se tornou um assunto recorrente nas redes sociais. Imagens vazadas mostravam uma cena de sexo oral que virou alvo de elogios, críticas e análises.

Há quem acuse a obra de incentivar turismo sexual e endossar estereótipos racistas. O argumento é que "Funk Rave" se apoiaria numa leva de imaginários que objetificam pessoas negras e pobres, sendo essas a imensa maioria do clipe.

Ricardo nega que o vídeo seja racista, erótico ou mera "exploração de corpos". Reforça também que a diversidade do elenco foi uma de suas principais exigências — e cuja Anitta teria comprado com facilidade.

Funk generation

Além de "Funk Rave", o cineasta também dirigiu os clipes de "Casi Casi" e "Used To Be", que, assim como o hit, faz parte do EP "Funk Generation: A Favela Love Story", de Anitta.

Como uma trilogia de cinema, os clipes conversam entre si. Seus roteiros, imersos em humor, romance e sexo, seguem uma linha cronológica na qual a cantora vive uma personagem cobiçada por todos ao redor.

Capa de 'Funk generation – A favela love story', disco de Anitta

Divulgação

Moradora de favela, a protagonista vive lazeres — como se banhar com mangueira sob sol escaldante — e vulnerabilidades à violência urbana.

Consolidando a imagem latina que Anitta exporta desde "Girl from Rio", as músicas do disco mesclam batidão carioca, funk melody, reggatton, EDM e pop americano.

"Ela é uma máquina. Chega onde quer", diz Ricardo, ao elogiá-la. Ainda que o trabalho com ela tenha sido o maior — e o mais reconhecido — de sua carreira, o diretor diz que não se vê num topo.

"Anitta está me abrindo muitas portas, mas eu quero mais. Vou agarrar as novas oportunidades e dar o meu melhor."

Agora, ele diz, o sonho é estar à frente de clipes internacionais.


FONTE: G1 Globo


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